Amanhece nublada a terra do verão eterno, mesmo assim o calor gruda nas dobras do corpo.
Trago na bolsa o sapato com crise de cor.
Digo bom dia e ele demora a responder, como se eu fosse vidro-visagem parada na sua frente, senhor do tempo.
E é no seu tempo que divide rememorações da vida enquanto espero as camadas assentarem. Conta que nasceu em Ouro Branco - Pernambuco, cidadezinha perto de Arco Verde. Já tem 53 anos de Bras-ilha, e no próximo mês volta pra antiga terra pela primeira vez, verificar se ainda tem algum parente vivo.
Saudade? Sentiu nada. É que perdeu seus pais com 8 anos e aí ficou muito desgostoso da terra, 'o povo gera muita miséria, em época de política, como agora, se vende por um saco de feijão'. Também com 8 anos foi que começou a consertar sapatos, 'profissão de família, até as mulheres aprendem só de ver'.
Aí lembra da juventude, viola na praça. Juntava muita moça bonita, dava até medo!, e sorri malandro e largo sem dentes. Hoje o mundo mudou muito.
Satisfeito com a vida, confessa que já quis até ser rico. 'Achava que ia ser como no Egito', explica e eu sorrio. Mas depois descobriu que tem muitas drogas nesse negócio de riqueza e resolveu seguir por outra trilha.
- Vocês do Mato Grosso, Catarina, falam tão bonito... sotaque né? Eu acho. Não tem como, onde a gente nasce influencia a gente.
Isso mesmo, e a raiz que não se arranca. Papéis, folhas e poeira rodopiam ao nosso redor embalados por súbita e inesperada rajada. Mulheres seguram saias e vestidos, homens protegem os olhos.
- Vento gostoso né?
Eu acho, respondo feliz e um tantico saudosa. E recebo a verdade:
- Me deixa agoniado.
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