Tudo calmo e igual no castelo das ideias que esperam o tempo de nascer.
Uma brisa morna, carregada de cheiros e imagens de outros lugares, ondula a saia das nutridoras de futuro e espalha lembranças de flores pelo ar. Insistente, enrosca em minhas pernas e me puxa pelo braço querendo mostrar a hora em que a semente quebra a casca. Resisto, preguiçosa de saber, feliz com o pouco que já vi.
Não sabia do perigo que espera os que se opõem, descubro atravessando.
Uma rajada brusca levanta poeira cósmica do chão e enche minha visão de cacos coloridos, sem dó. Pisco várias vezes, cega, enquanto meu corpo é sacudido por mão invisível. Quando consigo abrir os olhos me assusto: sobre minha cabeça tudo está suspenso e vivo. Dança enlouquecida das estações, meio dia e meia noite no mesmo céu de agora.
Boquiaberta observo enquanto palavras saem de mim, uma a uma, indo somar corpo à nuvem gigantesca que paira no céu. Depois das palavras perco as recordações, o que pensava saber e sentir, toda a história até aqui. Perco o corpo e perco o nome. A boca que já não tenho seca com o calor de mil desertos, meus pés áereos sobem para o tornado enquanto enxergo tudo por um olho que não pisca e não existe. Sentiria vertigens se ainda soubesse como.
Centrifugada em minha própria natureza. O que sobra depois que tudo foi removido? Algo rasga o estar, um relâmpago escorrega do centro flutuante em que pairo, o barulho só chega depois. Desço com eles mas continuo no alto, a massa incolor de tudo que se foi aquieta em seu carro-céu. E desaba.
Tudo inunda. Da água nasce um novo corpo, novas combinações dos mesmos elementos pelo avesso, mas com algo que não havia, um vento-alma forjado no fogo e grito do raio, centelha divina. Tudo mudado, viajante estelar perdida em chão de planeta desconhecido.
Lentamente começo a me mexer, acordando de sono milenar. De tão lúcida me sinto irreal. Volto da morte para vida nunca vivida, plena.
Transfigurada.
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