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16.9.11

Baú

Contou que mãe saía de longe, da roça, horas de baú pra votar nessa porra e nunca mudou nada.

- Horas de quê?

- Baú.

Vulgo busão-bumba-lotação-coletivo-blá-blá-blá-e-etc. 


Sempre uma aventura, ainda mais com o pavor de trânsito que tenho. (As paisagens estão me curando.) Já embarquei nuns com música ao vivo, profeta das sombras, mulher assaltada precisando duns trocados, vendedor de chiclete e rapadura. O fulano de hoje ofertava canetas e meias pra celular, ajuda pro lugar onde se desintoxicou das drogas, sabe como é. Mas não anote isso aí não, tô falando sozinha.



Foto: Isabela da Cruz

15.9.11

Malucos da cidade

Em sua malucidez contam histórias antigas, de outras vidas que viveram ou imaginaram antes de virarem tribo da rua.

Ensinam sobre a ausência de portas de saída, sobre a revolta que não transforma, sobre escolhas e tentativas de fuga. Aprendo a ver melhor, a exclusão e a humanidade.

E ainda aprendo o encantamento pra pegar carona no redemoinho do Saci Pererê:

- Pé de pato malombento. Fala 3 vezes.
- E que quer dizer?
- E eu sei lá!?
- Uhn... e cê falava sempre?
- Altas vezes. (Pensa um pouco.) Mas quando ventava forte não. Vai que né...

31.8.11

Sonhos descartáveis

No império do consumo, jovens desistem do futuro e do corpo mergulhando de ponta no iluminado saguão.

Emos, explicaram estereotipando. Sombriamente presos em beco sem saída, afogados na melancolia que cega e paralisa as mudanças, grito mudo apodrecendo na garganta. 

Autoimolação, sacrifício como protesto?

Lavaram o sangue, desencardiram o chão. Blindaram de vidro os andares e agora ninguém pula mais: pode sentir a emoção descabida que for, tanto faz.

As lojas continuam vendendo. 


20.6.11

Substância própria

'Que nada nos sujeite
Que nada nos defina
Que a liberdade seja
Nossa própria substância'

(Simone de Beauvoir)

Fui escolhida por essa frase já logo na chegada, sorteio dos cartazes.

Muita gente não entende(u), mas sempre foi assim, desde que o mundo é mundo. Por isso o importante de assumir que as coisas estão erradas e mesmo assim continuar acreditando, nunca desistir de curar essa sociedade doente. Ainda que sendo minoria.

E, mesmo que eu não acredite na eficácia do método da marcha, reconheço que talvez seja uma semente.

É que sei que o buraco é mais embaixo e a ferida muito mais profunda e gangrenada: as mulheres se odeiam e não é de hoje. Reforçamos desapercebidas (ou nem tão sonsamente assim) os pedaços em que o patriarcalismo nos dividiu. Quebradas e cegas, bem longe da mulher integral e equilibrada, natural.

O caminho é pra dentro, com olhos lavados de preconceitos e dose extra de coragem. O começo é em si mesma, num processo sério de conscientização individual. Enxergar-se. Saber-se. Depois, ajudar a parir a consciência umas das outras, juntas.

É simples mas não é fácil. 

Acordar. E então não será preciso luta pra se poder Ser.




A violência contra a mulher não é o mundo que a gente quer.


A nossa luta é todo dia, somos mulheres e não mercadoria.


A cidade é nossa. O corpo é meu.


Tirem seus rosários dos nossos ovários.


Preconceito: chega de engolir, tá na hora de cuspir!


Vem pra luta, vem! Contra o machismo!


Estupro não é piada, machismo mata.


Mexeu com uma, mexeu com todas.



15.6.11

Entre o que eu digo e o que eu faço

Que o transporte coletivo nem sempre/quase nunca funciona como deveria não é novidade.

Nem o número de reclamações gritadas aos motoristas que (desconfiam muitos) pensam estar guiando um caminhão boiadeiro.

Enfim.

A novidade foi, numa manhã em que a zebrinha estava mais entupida que nunca, ouvir um moço reclamando em altos brados seus direitos de pessoa. Reclamou do governador corrupto, da rede de transporte público e seus desvios de verba. Xingou mais um tanto, disse que a culpa era do motorista que não devia permitir tanta galera: "fecha a porta e pronto", logo ele, último a entrar e primeiro que teria ficado para trás se fechasse a porta e pronto.

Nesse meio tempo ele encontrou um irmão de alma, que também falava alto e concordava com tudo o que ele dizia. Desabafaram bem, para todo mundo ouvir e participar.

Não sugeriram reclamar com a secretaria de transportes, não apresentaram soluções. Apenas choveram no molhado, mas pensei que podia ser um começo.

Quando o ônibus parou eles desceram rapidamente e se perderam na multidão.

Os dois saíram sem pagar a passagem.

Catraca livre?

14.6.11

13.6.11

Minha alma nua e crua

Desde que saí da minha cidade natal sinto falta do vento.

Saudade braba, daquelas que torce-retorce o coração.

Até que rasgou meu peito.

E lá no fundo, não sem espanto!, não é que descubro um pequeno pé-de-vento!?